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  • Guilherme Dearo

10 ideias e lições de David Foster Wallace

Atualizado: 28 de jun.

Sobre literatura, solidão, vida e a arte de escrever - David Foster Wallace na estrada



Em março de 1996, o jornalista da revista Rolling Stone americana David Lipsky foi enviado a Bloomington, Illinois, para passar cinco dias ao lado do escritor David Foster Wallace, que acabara de lançar “Infinite Jest” (“Graça Infinita”, no Brasil). O livro viria a ser a sua obra-prima e um grande sucesso comercial e de crítica. Lipsky acompanhou Wallace na última parada de sua turnê para divulgar o livro nos Estados Unidos. Durante boa parte do tempo, manteve o gravador ligado e registrou longas conversas e debates com Wallace, dos mais filosóficos aos mais prosaicos.


A reportagem nunca foi publicada e Lipsky guardou as fitas. Em 2008, com a trágica morte de Wallace por suicídio, o jornalista decidiu recuperar o material, que virou o livro “Although of Course You End Up Becoming Yourself: A Road Trip With David Foster Wallace” (ainda sem edição no Brasil). Em 2015, o livro virou o filme “The End of The Tour”, com Jason Segel e Jesse Eisenberg nos papéis de escritor e jornalista.


Nas gravações transcritas em “Although of Course You End Up Becoming Yourself”, Foster Wallace fala sobre seus trabalhos, sobre literatura, televisão, cinema e também sobre vida, morte, drogas, suicídio, solidão, esperança.


A seguir, alguns trechos selecionados do livro e traduzidos com ideias de Wallace sobre literatura e arte. As falas foram levemente editadas em alguns pontos, mas se mantêm fiéis — no livro, elas são bem menos diretas e lineares e muito mais digressivas e interrompidas por longos "parênteses"; falas de Lipsky ou por coisas que aconteciam ao redor da entrevista, por exemplo, Wallace brincando com seus dois cachorros.


1.

“Há algumas coisas que a ficção pode fazer por nós. Talvez treze coisas. Uma delas tem a ver com a sensação de captura, que a ficção consegue apreender de que modo nós sentimos o mundo, de uma maneira que o leitor possa pensar ‘Outra sensação como a minha existe!’. Alguém sente da mesma maneira que você. E o leitor, assim, se sente menos solitário. A ficção serve para nos fazer sentir como é estar vivo. Não pode ser um alívio da sensação de se estar vivo, da sensação de viver”.


2.

“Os escritores tem uma licença e uma liberdade de se sentar, cerrar os punhos e se fazerem ficar totalmente alertas, de uma maneira excruciante, de coisas que a maioria só percebe em um nível limitado. E se o escritor fizer o seu trabalho direito, o que ele faz basicamente é lembrar os leitores que eles também estavam cientes e alertas dessa ‘verdade’ todo o tempo”.


3.

“Um livro tem que ensinar o leitor como lê-lo. Nós ficamos por aí reclamando sobre como a TV arruinou os leitores — mas a verdade é que ela nos deu [aos escritores] o precioso presente de nos fazer trabalhar ainda mais duro em nossos textos. Quanto mais difícil for a tarefa de fazer o leitor sentir que aquela leitura valeu a pena, maior a chance de estarmos fazendo arte de verdade. Porque somente a arte real faz isso”.


4.

“Você ensina o leitor que ele é mais inteligente do que ele pensava. Uma das lições mais pérfidas da TV é uma meta-lição, a lição de que você é estúpido. Do tipo ‘Isso é tudo o que você pode fazer’. Isso é fácil se você é do tipo de pessoa que só quer se sentar em uma cadeira e levar as coisas na boa. Mas há uma parte de nós que é muito mais ambiciosa que isso. O que nós precisamos fazer, portanto, é criar uma arte que engaje, que nos ensine novamente que somos inteligentes sim. E isso muitos filmes e programas não podem fazer, não podem nos dar”.


5.

“Os antigos truques implodiram. Imagino que a linguagem precise encontrar novas maneiras de pressionar o leitor. E minha crença pessoal diz que muito disso tem a ver com a voz, com o sentimento de intimidade entre leitor e escritor. Dado essa atomização da vida atual, essa solidão na vida contemporânea, essa é nossa brecha, nosso presente”.


6.

“Falando de entretenimento versus arte, a missão principal do entretenimento é separar você de seu dinheiro. Não há nada de errado per se com isso. E a compensação desse fato é que o entretenimento lhe entrega algo pelo seu dinheiro. Dá a você certo tipo de prazer que eu descreveria como passivo. Não há muitos pensamentos envolvidos, o pensamento é sempre uma fantasia no sentido de ‘eu sou esse cara, eu estou tendo essa aventura’. Você tira férias de você mesmo por um tempo. E isso é OK. É como um doce. O problema reside na nossa relação com esse entretenimento [como vício]”.


7.

[Sobre o aparente desinteresse crescente em livros, romances e literatura — e a TV ser muitas vezes responsabilizada por isso. Ele pensa sobre o que teria causado essa queda de importância dos livros. Ele crê que parte da culpa é dos próprios escritores. Ele imagina que os escritores precisam encontrar novas maneiras de fazer seus trabalhos, de forma a recuperar essa importância, recuperar a atenção dos leitores]:

“Há muitas coisas que a boa ficção pode fazer que outras formas de arte não podem. Uma dessas coisas, grandiosa, é poder transpor o muro do ‘eu’, retratar a experiência interna. Construir uma conversa íntima entre duas consciências”.


8.

“Hoje as pessoas passam a maior parte do dia diante de telas, debaixo de luzes fluorescentes, em cubículos. E o que é ser um humano, estar vivo e exercitar sua humanidade nesse meio? Isso versus cinquenta anos atrás, quando a coisa era, sei lá, ter uma casa e um jardim e dirigir dez milhas para o seu trabalho na fábrica. E viver e morrer na mesma cidade que nasceu. E só saber como outras cidades eram através de algumas fotografias. Ou seja, as coisas parecem muito diferentes e a velocidade das coisas é diferente. Mas o truque da ficção, para mim, é tentar criar uma textura e uma linguagem para criar mimesis suficiente e expressar que, na verdade, nada mudou. O que foi importante continua importante. E nosso trabalho é entender o que fazer com essas coisas, em um mundo cujas texturas e sentidos parecem ser diferentes. (…) E essas coisas comuns seriam… Por quem eu vivo? No que eu acredito? O que eu quero? São perguntas tão profundas que soam banais quando você as diz em voz alta”.


9.

“É muito assustador estar vivo e ser um humano. (…) Esse medo é uma condição comum. Há uma série de razões para sentir medo. O trabalho que estamos aqui para fazer é aprender como viver de uma maneira que não seja aterrorizante todo o tempo”.


10.

“Pensar em algum momento em sua vida que você tenha tratado alguém com extrema decência e amor, de maneira pura e sem interesses, somente porque eles são seres humanos valiosos. A habilidade de fazer isso uns com os outros. Tratar os outros como trataríamos um amigo muito próximo. Creio que isso seja possível de atingir. Parte do motivo pelo qual estamos aqui é aprender a fazer isso. … Eu sei que isso soa um pouco pio”.

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