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12 vezes Noemi Jaffe sobre o poder da literatura e o ato da escrita

Guilherme Dearo

A escritora, professora e crítica literária dá seus preciosos conselhos em "Escrita Em Movimento"



I. A escrita literária não é algo que se “atinja”, que se “conquiste”. Ao contrário, é o “não estar pronto” que faz com que um escritor possa, cada vez mais, se aproximar de uma escrita original. Escrever é individual e solitário, mas não exclusiva ou necessariamente. Pessoas que saibam ouvir e criticar com respeito e atenção são fundamentais à escrita.


II. Tudo é possível, desde que o autor saiba por que o está fazendo e banque as consequências. Quando o “contrato” é claro e o leitor, intuitiva ou racionalmente, entende a proposta narrativa, não há limites para o que a literatura pode fazer.


III. Diferentemente de outros usos da linguagem, mais funcionais e utilitários, a literatura não tem função definida: meio e fim coincidem.


IV. Quando se aceita e se assume a ideia de que literatura é, principalmente, fingimento, liberta-se a escrita literária do compromisso com qualquer verdade além da verdade do próprio texto. A literatura é — em grande parte — desobrigada de pactuar com possíveis verdades filosóficas, científicas ou políticas.


V. Quando alguém quer escrever ficção, é preciso encontrar e adotar um lugar (ou lugares), um tempo (ou tempos), frequência e regularidade. É preciso praticar concentração, paciência e muita leitura. E, por fim, é preciso, ao escrever, aceitar a frustração, a demora e as críticas.


VI. Na literatura, “como se diz” é tão ou mais importante do que “o que” se diz, e é no “como” que se localiza a marca autoral de um escritor.


VII. Para um escritor, não são as palavras que obedecem às ideias, mas o contrário. No primeiro caso, deparamos com textos explícitos, panfletários. Já no segundo, encontramos originalidade, surpresas e a relação indissolúvel entre a história e o sabor de contá-la.


VIII. Na literatura, uma das sensações mais prazerosas e necessárias é a sensação inaugural, em que o leitor sente que está diante de alguma coisa pela primeira vez.


IV. O escritor, entre outras coisas, é alguém que reconhece, nas palavras e nas coisas, um efeito inaugural, como se as estivesse vendo pela primeira vez, e isso não é possível sem estranhamento.


X. Para escrever literatura é preciso observar e respeitar o outro. Uso esse termo, “outro”, como generalização de tudo aquilo que faz limite com o “eu” e que se diferencia dele. Existe o mito de que a literatura é expressão do eu, derivado principalmente do romantismo, que tanto valorizava essas entidades abstratas: a subjetividade e os sentimentos. Mas há muito tempo essa visão se diluiu; na literatura moderna e contemporânea é mais importante conhecer aquilo que está fora do eu — o outro — do que buscar expressar a verdade de si mesmo.


XI. Ler literatura é também estranhar a própria língua e senti-la sendo usada de formas diferentes, que aguçam nossa percepção sensorial e intelectual. Se não ocorre estranhamento na experiência da leitura, tampouco haverá a desejada transformação do leitor pelo texto literário. É preciso que haja deslocamento para que a experiência literária seja proveitosa.


XII. Escrever exige estranhamento e provoca estranhamento. Um escritor geralmente questiona as formas como as coisas se manifestam, sente necessidade de interpretar palavras e sentidos, mas, sobretudo, o escritor é aquele que se espanta com as coisas, desde as mais triviais às mais extraordinárias. Ele dificilmente permite que as coisas se banalizem, já que quase tudo é matéria de escrita para ele.


De: "Escrita Em Movimento: Sete Princípios do Fazer Literário". Companhia das Letras, 2023

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