top of page

13 vezes Jon Fosse sobre o milagre da literatura

Guilherme Dearo

Em "A Silent Language", seu discurso em Estocolmo ao receber o Prêmio Nobel de Literatura de 2023, o brilhante escritor norueguês fala sobre a descoberta da escrita e de seu poder único



I. De certa forma, era como se minha linguagem me tivesse sido roubada, e eu precisava tomá-la de volta, por assim dizer. E eu não poderia fazer isso nos termos impostos pelas outras pessoas - teria de fazê-lo em meus próprios termos. Então eu comecei a escrever minhas coisas: pequenos poemas, pequenas histórias. E eu percebi que fazendo isso eu me sentia seguro - me fez sentir o oposto do medo.


II. Encontrei algo que era como um espaço dentro de mim que era meu, só meu, e nesse lugar eu poderia escrever coisas que eram só minhas.


III. O poeta norueguês Olav H. Hauge escreveu certa vez um poema onde ele comparou escrever poesia com ser uma criança brincando na floresta, construindo abrigos pequeninos de folhas e gravetos, e então engatinhando para dentro desses abrigos, acendendo uma vela, ficando ali sentada se sentindo segura no escuro das noites de outono. Creio que esta seja uma boa metáfora de como eu, também, experimento a escrita.


IV. Há uma diferença importante entre linguagem falada e linguagem escrita, ou entre linguagem falada e linguagem literária. A linguagem falada é sempre monolítica: ela comunica informação, diz que algo é de determinada maneira, senão é um ato retórico que expressa uma opinião ou deseja persuadir o ouvinte. A linguagem literária não é assim nunca: ela não tem mensagem; ela nada transmite; ela é um tipo de sentido sem comunicação. Ela existe em si mesma. Assim, obviamente, qualquer pedaço de texto literário é o completo oposto de qualquer tipo de pregação, seja ela religiosa, política ou qualquer outra coisa.


V. Certamente eu nunca escrevi para me expressar, como se diz. Pelo contrário, escrevi para sair de mim mesmo.


VI. O que há de mais importante na vida não pode ser dito, somente escrito - para dar um leve distorcida na famosa frase de Jacques Derrida.


VII. Se estou escrevendo bem então necessariamente estou escrevendo essa linguagem silenciosa também.


VIII. E o que você escuta se você ouve o bastante? Você escuta o silêncio.


IX. Escrever é um ato solitário, como já disse, e solitude é boa desde que a estrada de volta para as pessoas permaneça aberta, para citar um outro poema de Olav Hauge. E o que eu senti na primeira vez que eu vi algo que eu tinha escrito sendo performado no palco foi o exato oposto da solidão: comunhão. Fazer arte através da colaboração, o que me fez sentir um profundo sentimento de segurança e felicidade. Essa experiência ficou marcada em mim, e sem dúvida é por isso que continuo trabalhando como dramaturgo, sentindo não apenas uma paz mental, mas também uma espécie de contentamento, mesmo em produções mal feitas.


X. O ato de escrever é um ato de ouvir - quando escrevo eu nunca penso de antemão, eu não planejo nada. Eu começo a ouvir. Se existe alguma metáfora que eu usaria para falar do ato de escrever, teria de ser a de ouvir.


XI. Uma coisa que acontece quando eu escrevo - talvez seja uma coisa um pouco estranha - é que sempre chega um momento quando eu sinto que o texto já foi finalizado e escrito. Está lá fora em algum lugar, não dentro de mim, e eu só preciso escrevê-lo antes que ele desapareça.


XII. Eu disse uma vez em uma entrevista que escrever era um tipo de prece. Depois eu me senti envergonhado quando vi essas palavras impressas. Mas, um tempo depois, li que Kafka disse a mesma coisa, e me senti muito melhor.


XIII. Meus primeiros livros receberam resenhas terríveis, e eu decidi que eu simplesmente teria de parar de dar atenção a esses críticos. Eu tinha de confiar em mim mesmo e continuar fazendo o que eu precisava fazer. Se eu não tivesse decidido isso, teria parado de escrever quarenta anos atrás. Desde então, tenho recebido boas críticas na maioria das vezes - até alguns prêmios de vez em quando - mas concluí que era importante eu seguir a mesma lógica e não deixar as críticas positivas me influenciarem do mesmo modo que as ruins não me afetavam. Eu precisava insistir no meu estilo próprio de escrita e continuar a fazer o que eu precisava fazer.


Tradução livre da versão em inglês de Damion Searls, em "A Silent Language — WINNER OF THE 2023 NOBEL PRIZE IN LITERATURE: The Nobel Lecture", Fitzcarraldo Editions.

2 visualizações

Posts recentes

Ver tudo

Comments


© Guilherme Dearo 2025 — "dentro da noite veloz"

bottom of page