16 vezes Emmanuel Carrère sobre meditação, mente e vida
Algumas ideias e lições do escritor francês em "Ioga"
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I. Repito: a meditação é tudo aquilo que acontece durante esse tempo em que se está sentado, imóvel, em silêncio. O tédio é meditação. As dores nos joelhos, nas costas, na nuca, são meditação. Os pensamentos aleatórios são meditação. Os barulhos estranhos na barriga são meditação. A impressão de estar perdendo tempo ao fazer um troço de espiritualidade trambiqueira é meditação. A preparação mental para o telefonema e a vontade de pegar o telefone são meditação. Resistir a essa vontade é meditação — mas ceder a ela, não. E isso é tudo.
II. Eu estava sempre embriagado ou chapado, você acredita que encontrou uma pedra preciosa e descobre que está com um pedaço de merda na mão. Hoje em dia estou um pouco mais tranquilo, é a idade.
III. A saúde psíquica, segundo Freud, é ser capaz de amar e trabalhar, e logo faria dez anos que, para minha grande surpresa, eu havia me tornado capaz disso.
IV. Freud tem uma segunda definição da saúde psíquica, tão espetacular quanto a primeira: é quando não se lida mais com a infelicidade neurótica, só com a infelicidade ordinária. A infelicidade neurótica é aquela que nós mesmos produzimos de uma maneira terrivelmente repetitiva, e a infelicidade ordinária é aquela que a vida lhe reserva sob formas tão diversas quanto imprevisíveis.
V. Porque é essa a revolução, uma das revoluções da meditação. Em vez de encarar com animosidade os pensamentos de que não nos orgulhamos tanto, em vez de buscar erradicá-los, nos contentamos em observá-los sem fazer drama. Porque eles existem, porque eles estão bem aqui. Nem verdadeiros nem falsos, nem bons nem ruins: microacontecimentos psíquicos, bolhas na superfície da consciência.
VI. (...) começando por citar Pitágoras, que coloca a seguinte questão: “Por que o homem existe sobre a terra?”. Resposta: “Para contemplar o céu”. Para contemplar o céu? Se isso é verdade, a maioria dos homens não sabe. A maioria pensa que existe sobre a terra para encontrar o amor, ficar rico, exercer algum poder, gerar picos de crescimento ou deixar sua marca nas areias do tempo. São raras as pessoas que sabem que existem para contemplar o céu.
VII. Como Diógenes, pensa que é melhor beber fazendo uma concha com a própria mão do que usando uma cumbuca. Quando está viajando, ele arranca e joga fora as páginas dos livros assim que as lê, para ficar mais leve.
VIII. O corpo tem trezentas articulações. A circulação sanguínea mobiliza noventa e seis mil quilômetros de artérias, veias e vasos sanguíneos. Existem dezesseis mil quilômetros de nervos. A superfície dos pulmões, se esticada, equivale à de um campo de futebol. Pouco a pouco a ioga o leva a descobrir tudo isso. A preenchê-lo de consciência, de energia, de consciência da energia.
IV. Essa vida, a minha, pobre vida miserável e às vezes vivaz, e às vezes amorosa, não foi apenas ilusões e derrotas e loucura, e o pecado mortal é esquecer isso. Nas trevas, é vital se lembrar de que também vivemos na luz e que a luz não é menos verdadeira que as trevas.
X. “Entrega-te, meu coração”, escreve Michaux. “Lutamos bastante. E que minha vida cesse. Não fomos covardes, fizemos o que pudemos.” Isso, sim, fizemos o que pudemos
XI. O que tento fazer na vida é me tornar um ser humano melhor — um pouco menos ignorante, um pouco mais livre, um pouco mais amoroso, um pouco menos sobrecarregado pelo meu ego, imagino que seja a mesma coisa. E tento me tornar um ser humano melhor porque isso fará de mim um escritor melhor.
XII. Mas a experiência da meditação, quando é boa, é uma maneira absoluta de estar bem. Estamos bem porque estamos aqui. Estamos bem porque não estamos em nenhum lugar melhor do que este em que estamos. Habitando este corpo, tranquilamente postado na fronteira entre o que somos o que não somos, entre o fora e o dentro, e sentindo nosso viver. Não fazer coisa alguma: apenas viver. Não tem nada de extraordinário nisso, pelo contrário: é de fato ordinário. A vida que corre em nós como o sangue nas veias.
XIII. Caso sério. Simone Weil, de novo ela, dizia: há muito pouca gente, no fim das contas, que sabe que os outros existem.
XIV. É preciso ir para dentro de si para saber quem diz “Eu! Eu! Eu!”. Você deve perscrutar as profundezas de si mesmo. É ao atravessá-las que você atingirá a realidade. A única ferramenta que você possui para atingir a realidade, a única jangada que você possui para concluir a travessia, é o seu corpo.
XV. A meditação é estar sentado, em silêncio, imóvel. A meditação é tudo aquilo que passa na consciência durante o tempo em que se está sentado, em silêncio, imóvel. A meditação é fazer nascer dentro de si uma testemunha que observa o turbilhão dos pensamentos sem se deixar levar por eles. A meditação é ver as coisas como elas são. A meditação é se descolar da sua identidade. A meditação é descobrir que você é outra coisa além dessa voz que diz incansavelmente: eu! eu! eu! A meditação é descobrir que você é outra coisa que não o seu ego. A meditação é uma técnica para minar o ego. A meditação é mergulhar e permanecer no que a vida tem de contraditório. A meditação é não julgar. A meditação é prestar atenção. A meditação é observar os pontos de contato entre o que é você e o que não é você.
XVI. Nada me parecia mais valioso do que essa segurança, essa certeza de poder descansar até o último instante nos braços de alguém que nos ama plenamente.
Destaques de "Ioga", de Emmanuel Carrère. Alfaguara, 2023. Trad. Mariana Delfini.
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