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Guilherme Dearo

18 vezes Haruki Murakami sobre a arte do romance e da escrita

Atualizado: 28 de jun.

Murakami fala sobre seu processo de escrita em "Romancista como vocação"



No livro "Romancista como vocação", o escritor japonês Haruki Murakami (1949) reflete sobre seu processo criativo e sobre a arte de escrever romances. Ele é autor de grandes obras ficcionais, como "Kafka à beira-mar", "Norwegian wood" e "1Q84".


Amante dos gatos, do jazz e da corrida, seu relato pessoal sobre o ato de escrever romances é sincero e sem afetação. Como sempre, se coloca muito próximo de seus leitores.


Menos um livro ensaístico sobre a teoria do romance e mais uma análise sobre o cotidiano do ato de escrever (solitário, longo e nem sempre recompensador) e sobre seus próprios métodos de escrita, "Romancista como vocação" (disponível no Brasil na bela tradução de Eunice Suenaga) é um excelente companheiro para escritores aspirantes e curiosos sobre os bastidores da literatura.


A seguir, 18 trechos destacados do livro que revelam um pouco da mente de Murakami:


I. Escritores são basicamente egoístas, orgulhosos e muito competitivos. Se dois escritores estiverem juntos, a chance de eles não se darem bem será muito alta.


II. Romancistas são como alguns peixes: acabam morrendo se não se moverem constantemente dentro d’água.


III. Escrever um ou dois romances não é muito difícil, mas continuar escrevendo por muito tempo e viver disso é uma tarefa árdua. Talvez seja impossível para pessoas normais. Pois, digamos assim, é necessário algo especial. É claro que é necessário certo nível de talento e também de determinação. Além disso, a sorte e a coincidência são fatores importantes, nesse e em muitos outros acontecimentos da vida. Mas, acima de tudo, é necessário ter algum tipo de competência.


IV. Quando o livro for lançado, talvez ninguém no mundo perceba a precisão daquela linha. Escrever romances é isso. Dá muito trabalho e é bastante tedioso.


V. A sensação agradável e o prazer que sentia enquanto escrevia o meu primeiro romance continuam praticamente inalteráveis. Acordo de manhã cedo, preparo o café na cozinha, coloco-o em uma caneca grande, levo-a para a minha mesa e ligo o computador (de vez em quando sinto saudades do papel e da grossa caneta-tinteiro da Montblanc que usei por muito tempo). E penso: E agora, o que vou escrever? Sinto uma grande felicidade nessa hora. Para ser sincero, escrever nunca foi um sofrimento para mim. Nunca me vi em apuros sem conseguir produzir (felizmente). Na verdade, acho que não tem sentido escrever se esse ato não for agradável. Não consigo entender a ideia de que escrever romances seja um sofrimento.


VI. Acho que um critério bem simples é perguntar a si mesmo: “Eu me sinto feliz fazendo isso?”. Se você está realizando uma atividade que considera importante para si mesmo, mas não consegue sentir prazer nem alegria com isso, não consegue sentir empolgação, provavelmente há algo errado, algo em desarmonia. Nesse caso, é preciso voltar à estaca zero e eliminar um por um os elementos desnecessários e artificiais que estiverem impedindo sua alegria.


VII. Em minha opinião, quem quer ser escritor precisa ler muito, antes de qualquer coisa. Peço desculpas pela resposta bastante trivial, mas acho que a leitura é o treinamento mais importante e indispensável para quem quer escrever. Para fazer um romance é preciso compreender, de forma quase física, como eles são formados. É uma coisa óbvia; é o mesmo que dizer: “Para fazer uma omelete, é preciso quebrar os ovos”.


VIII. Os que têm aptidão para ser romancistas são aqueles que, apesar de concluírem ou estarem prestes a concluir na própria mente que “aquilo é assim”, precisam de um tempo para pensar melhor: “Não, espere um pouco. Talvez seja só impressão minha”. Eles pensam também: “Acho que as coisas não podem ser definidas tão facilmente. Se surgir um novo fator no futuro, a conclusão vai mudar 180 graus”.


IX. Dependendo da abordagem, pode-se extrair uma força incrível de uma pequena experiência, por mais insignificante que ela pareça ser.



X. Para um trabalho de longo prazo, a regularidade é muito importante. Não conseguirei alcançar isso se escrever um grande volume de forma impulsiva quando estiver inspirado e descansar quando não me sentir inspirado. Então escrevo cerca de dez páginas manuscritas por dia, como se eu tivesse que bater o cartão de ponto.


XI. Um escritor deve ser uma pessoa livre antes de ser um artista. Fazer o que gosta, quando gosta, do jeito que gosta: essa é a definição de pessoa livre para mim. Prefiro ser uma pessoa comum e livre a me tornar um artista e me preocupar com a opinião dos outros, sujeitando-me a formalidades inconvenientes.


XII. O que quero dizer aqui é que todo texto possui margem para aprimoramentos. Por mais que o autor pense que está bem escrito e perfeito, o trecho pode ser melhorado.


XIII. Acredite na sua sensação mais do que em qualquer outra coisa. Não importa o que os outros digam; a opinião alheia não tem importância. Tanto para o escritor como para o leitor, a sensação é o melhor critério.


XIV. Escrever romances é um ato bastante individual que é realizado em uma sala fechada. O escritor senta-se à mesa do seu escritório e inventa (na maioria das vezes) uma história, transformando-a em uma narrativa. Ele converte coisas sem forma e subjetivas em algo com um formato específico e objetivo (ou que pelo menos busca a objetividade) — podemos resumir assim o trabalho que nós, romancistas, realizamos no dia a dia.


XV. A combinação de exercício físico e trabalho intelectual no dia a dia influencia positivamente o trabalho criativo.


XVI. Quando o romance começa a deslanchar, os personagens começam a se mover por conta própria, o enredo se desenvolve sozinho e, como resultado, tem início uma situação bastante feliz em que o autor simplesmente escreve o que está se passando na sua frente, diante dos seus olhos.


XVII. Quando o escritor cria uma obra, em certo sentido, uma parte dele também está sendo simultaneamente criada.


XVIII. O pianista de jazz Thelonious Monk disse o seguinte: “Toque do seu jeito, e não do jeito que o público quer. Toque do jeito que você quer e deixe que o público entenda o que você está fazendo — mesmo que isso demore quinze, vinte anos”.


 

Trechos extraídos de: "Romancista como vocação". Haruki Murakami. Na edição da Editora Alfaguara. Tradução de Eunice Suenaga.

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