A última noite
Atualizado: 28 de jun.
Um conto sobre o fim dos dias
As noites passavam, impassíveis, sobre mim e sobre todos, quietos, enquanto esperava pelo seu retorno.
Era assim, não havia outra maneira, toda viagem e toda aventura demoravam e cá só ficava o desconhecido e a conformação, a letargia de se deitar e olhar para o céu e dormir sob as estrelas e olhar a lua que volta e meia aparecia enquanto se esperava que ele voltasse, enquanto de olhos abertos a noite toda passava o vento e o sopro e o assovio distante de outros tempos. As noites eram longas, era uma só, uma só coisa que existia, vinha absoluta e se instalava e ali ficava, impunha seu silêncio forçado: não havia ninguém para ouvir, então não havia o que gritar, era preciso guardar tudo e esperar, esperar e respirar, só se ouvia a respiração lenta e gritos distantes, só se sentia o próprio corpo e a própria presença, que nunca poderia ser insuportável sob o risco da loucura, afinal, não restava nada além de ser, conviver-se, viver e esperar, mas nunca tardava, nunca havia o desespero, porque uma das certezas em meio a tantas perguntas e tantos silêncios era de que a aventura sempre acabava, por mais perigosa e excitante e longa que fosse ele tinha que retornar à sua casa, lar de seu amor e de seu descanso, havia esperas eternas, sim, mas ele chegava, sempre chegava.
O que era o amor quando ele retornava?, O que era a felicidade?, não se sabia, ele não sabia, em mim não havia respostas, tudo era claro, mas também não havia perguntas, só sabia que ali deveria permanecer e receber todo o seu amor e toda a sua felicidade, eu era o amor e felicidade, era a busca e o meio e o fim, e então me deitava à espera de seu toque, ele quem buscava as respostas, em si e em todos seus limites e abismos, era quando me colocava contra seu peito e beijava minha testa que queria esquecer quem era e tudo o que acontecera e via a esperança de enterrar o pedaço podre de si e de todos aqueles que o cercavam, quando a única coisa que importava era o carinho, sua pele contra a minha e a quietude, a quietude e o calor, os olhos serenos sem julgamento ou pensamento: só olhavam, um repouso, não feriam, eram aqueles olhos que o hipnotizava e o faziam querer ficar ali para sempre e só olhar para mim, como um espelho de toda a humanidade.
Em um outro momento, vimos que uma ligação simples carbono-carbono (ligação σ) é formada quando um orbital sp3 se sobrepõe a um orbital sp3 de um segundo carbono. Como ligações σ são simétricas, a rotação em torno de uma ligação simples carbono-carbono pode ocorrer sem nenhuma mudança na quantidade de sobreposição dos orbitais. Os diferentes arranjos espaciais dos átomos resultantes da rotação em torno de uma ligação simples são chamados conformações e uma conformação específica é denominada confôrmero ou rotâmero (isômero conformacional). Ao contrário dos isômeros constitucionais, os quais possuem diferentes conexões de átomos, os diferentes confôrmeros têm as mesmas conexões de átomos e não podem geralmente ser isolados porque eles se convertem um no outro muito rapidamente.
Agora, onde esses tempos ficaram para trás, na escuridão e no frio, deitada sobre o nada e sem ninguém para acolher-me, volto à época de poucas batalhas e viagens, de quando não havia missões e ele estava sempre ali, tão protegido quanto fosse sua inocência e desconhecimento, tão livre quanto fosse possível seus olhos e sua imaginação alcançar, e os outros estavam sempre ao seu lado, também vinham me visitar, não havia um mundo a explorar nem a necessidade de se saber o que existia para além da fronteira nem de dizer quem eram e o que queriam, aqueles caminhos bastavam, depois das montanhas que se desenhavam nada havia além dos raios do sol que primeiro subiam calmamente, depois cortavam-se por entre as rochas, depois desciam e sumiam pelas frestas, e eles não buscavam às cegas a chave de todas os temores nem soluções para suas inquietudes inventadas, os limites do próprio corpo era o que possuíam e ponto, com todos os pensamentos e ideias e olhares que tinham lhe dado já era possível navegar, eu não era nada além da ignorância e inocência e existência autossuficiente.
E para esses tempos sem respostas e buscas incessantes voltei, ali deitada, para as vozes e os risos, a festa e dança alheias à minha volta, quando o barulho de toda a gente ensurdecia e fazia esquecer que se estava vivo, porque aquele momento e a felicidade eram maiores que o passado e o futuro, todo o mundo cabia dentro de si, a síntese de tudo o que fosse possível de se imaginar e existir estava ali. Mas tudo se perde quando nada mais é o bastante, desejos e olhos estão sempre além, o passo sempre busca o instante seguinte e o movimento nunca cessa, a constante projeção para o que não aconteceu e o esquecimento do tempo presente, se quer ali quando aqui, as possíveis respostas às perguntas que nem sequer ainda existem são o bem mais precioso, e em mim virão procurá-las, ele ficará a me olhar nos olhos e no corpo, tentando mergulhar em cada pelo e poro e extrair o que ali se esconde, O que você sabe?, O que você sabe?, Fale, por favor, só quero que cale a minha boca e fale, e então desperto. as visões dissipam-se, ele e todos somem num lampejo, tudo volta ao lugar, a escuridão está ali, o céu está ali, o vento passa, estou só, todos dormem, as vozes e risos e cores de outro tempo eram eu mesma, apenas.
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O luto vivido pelos adolescentes dos pais da infância é algo também vivenciado pelos pais. Eles precisam fazer o luto pelo corpo do filho pequeno, da sua identidade de criança e da sua dependência infantil. Os pais têm que se desprender do filho criança e aprender a lidar com o filho adulto, se os pais não se dão conta de suas dificuldades, esse momento torna-se ainda mais doloroso. Os pais precisam aprender a fazer renúncias, assimilar a proximidade do envelhecimento, da morte, abandonar a imagem idealizada de si mesmos e aceitar a capacidade de seu filho de tomar decisões e ser capaz de alcançar suas próprias conquistas (ABERASTURY & KNOBEL, 1988).
Com o passar dessa noite e das visões e a chegada do dia, tornam-se mais lúcidas minhas constatações: eles estavam distantes, cada vez mais. Se em outros tempos, tempos de mais barulho e andanças e sol, eles estavam sempre ao lado, tanto quanto fosse necessário, mesmo que houvesse longas viagens, chegando ao ponto que eu quem podia escolher a hora de virar as costas e partir, agora quase nunca estavam, não apareciam, quando surgiam era de repente, também rápido, já estavam cá aqui e podia senti-los, mas logo se afastavam, com a mesma urgência com que tinham chegado, se dissolviam no ar e partiam sem ruídos e logo estavam longe, não se podia mais vê-los, se misturavam com as outras coisas e a partir daquele instante podiam ser tudo e nada ao mesmo tempo, até o momento que se aproximavam novamente, não sabia prever nem sentir quando era chegada a hora de suas visitas, simplesmente estavam ali, fim, e o absoluto resultado já era o suficiente para afirmar: estão aqui, o presente era toda a previsão e planos futuros que se podia fazer, o aqui-agora e nada mais, era o que esperar.
Uma obsessão insuspeita pelo poema de Baudelaire sobre o albatroz.
Por toda a vida tinha sido por hábito ele vir me procurar, mas eu também o fazia, sempre quando bem quisesse, nunca era muito, penso até que isso o deixava triste, minha indiferença e liberdade o intrigavam, faziam-no pensar sobre o que era a vida e o pensamento e o estar só, ia vê-lo somente quando vinha-me a ideia pronta que era preciso vê-lo e só, sem razão, então eu caminhava a passadas lentas, como um ritual, e chegava ao seu encontro, baixava a cabeça, e logo sua mão vinha e repousava, pronto, estava feito, era o simples gesto para a felicidade, e a última vez que o procurei antes de todo o silêncio e da noite e do frio ele estava calado, sentado nas escadas olhando distante para a grande árvore e suas folhas remexendo levemente ao vento, mudo, não era sua contemplação habitual, plácida, mas confusa e inquieta, tinha algo para me dizer, talvez para aconselhar, não sabia como falar nem para si, então parei ao seu lado e ali fiquei, também olhando para a árvore e para o céu, estava roxo claro, nos engolia por completo, tomava todo o espaço e toda a grandiosidade, punha-nos humildes, e ele continuou ali com os olhos tristes, sem saber o que fazer, e eu fiquei ali sentada, até que reparou em minha presença e se recostou, me olhou em busca de respostas, queria ler, ver a solução de sua angústia, viu que poderia ajudá-lo, então me perguntou, pousou seus olhos e esperança e questionou o que eu sabia daquele mundo, perguntou-me se o mundo era mais feio ou mais bonito, se era felicidade ou mais tristeza. eu não tinha o que responder, os ecos de minha mente tudo diziam, mas nada daquilo eu poderia lhe falar, não havia nada, então virei as costas e fui embora.
Escreve no quarto um poema ruim:
Quando sopra a noite, fria,
sou carregado para o velho
e a lápide
Suspira em meu ouvido
o momento peremptório
e jamais olvido
Quando passa
e olho para o céu negro
de estrelas
sei quem fui
e quem seria
Da janela metálica ouço este outro poema ruim:
O frio à cara, ensurdecedor,
me abarca
e ao menos ali, de olhos fechados,
sou um animal
inocente.
Tive que perdoá-lo, foi preciso, tive que perdoá-lo como tantas outras vezes, pensando É a última vez, enquanto se sabia que não, não era a última vez, mas tive que esquecer, fazer questão de apagar e seguir adiante, estar ali para ele, porque ele não queria fazer aquilo, sei que não, porque os olhos não mentiam, ele podia bater, podia não ter paciência nem controle algum, mas eram segundos, porque logo ele sabia que sua podridão era imperdoável e que deveria me abraçar, passar os braços em volta de meu pescoço e me puxar, confortar, dizer baixinho no ouvido entre beijos perdão perdão perdão me desculpe, eu nada falava, mas pensava que sim, está perdoado, acalme-se, não tem por que falar, só fique quieto e me aqueça, mas ele se afogava na própria culpa, tinha que sair dali, caminhar, punir-se pela própria miséria, enlouquecia em saber que era tudo assim, a feiura tomava conta do mundo, perdão perdão perdão.
A luta diária contra William Faulkner e O Som e a Fúria, que carregava na mochila sem a luva.
Lia-se:
Dilsey chorava, e quando chegou ao lugar comecei a chorar e Blue uivou debaixo da escada. Luster, disse Frony na janela. Leva eles pro estábulo. Não dá pra eu cozinhar com essa zoeira toda. E esse cachorro também. Tira eles tudo daqui.
Eu não vou lá não, disse Luster. Senão eu posso encontrar com o papai lá. Eu vi ele ontem à noite, levantando os braço no estábulo.
“Por que que não.” disse Frony. “Branco também morre. A tua vovó morreu, igual que se ela fosse negra.”
“Cachorro morre.” disse Caddy. “E quando a Nancy caiu numa vala e o Roskus deu um tiro nela e vieram os urubus e despiram ela.”
Quando tudo desapareceu de uma vez e não havia mais caminho, o tempo, inexorável, apagara todos os traços, quando não havia mais ninguém a não ser as vozes e os cheiros dos tempos distantes, tudo o que vivia era uma reminiscência, reverberações e esparsas imagens, ele apareceu, primeira realidade dentre tantos sonos, foi uma surpresa, chegou-me e logo ficou a me amar, já estava ao meu lado quando me dera conta. Voei naquela noite. Porque já não havia mais nada ao meu redor, e seu toque me levou para campos distantes por onde só o vento passava, era possível ver tudo, passavam devagar, descolados do tempo, e a calmaria era aveludada, era possível ouvir-se e ouvi-lo falar de si, reviver velhas histórias que eu logo sabia porque não saíam de sua mente, mas seus olhos tudo diziam, falar, mas logo calar-se, ele preferia a quietude, gostava de ficar assim, sendo, somente, até que chamados alheios lhe tirassem do pequeno paraíso, fosse feita nova convocação, e foi assim nessa vez, então ele teve que se levantar e partir, imediatamente fui tragada de volta para as ilusões e as imagens da mente, nada mais enxergava, se com ele ao lado tudo retornava palpável e vivo, eu era presente, no instante em que ele se levantou tudo voltou ao sonho e às imagens de olhos fechados.
Depois desse dia tinha certeza que nunca mais o veria, que poderia de certa forma senti-lo sempre ao meu lado e que os sonhos poderiam ser confundidos com a realidade a tal ponto de provocar-me ilusões e me deixar cheia de dúvidas e confortos, mas que sua presença e seu toque e olhares já estavam no passado, porque a treva tomara conta de tudo, seu paradeiro já era desconhecido, ele já não tinha como voltar nem nada encontrar naquele mundo, era óbvio que aquele aventura ele não poderia superar e seu novo lar seria onde logo estirasse. Mas estava enganada. Foi um dia, quando o fim já se apresentava, quando só me restava esperar, que ele veio pela última vez.
Chegou de repente, quando o sol se projetava e me esquentava, quando deitada no chão sentia-o e nada mais, e queria dormir e ficar ali até a hora que não houvesse mais sol nem vontade, chegou e sentou ao meu lado, invisível e sem contornos, talvez por estar contra o sol, talvez porque estava sem explicação como todos os outros há tempos: difusos e invisíveis, sentou, repousou a mão em meu peito, puxou devagar meu corpo contra o dele, até que minhas costas ficassem apoiadas em seu tórax, e assim permaneceu, quieto não-ali, sentia sua respiração, mas fora isso só havia o silêncio, sua mão esquentava e ele esquentava com o sol e assim ficou, recostou a cabeça na parede, fechou os olhos, parecia querer me imitar, também pegar no sono, ficar a esquentar-se até que não houvesse mais vontade ou calhasse de ir atrás do que fazer, mas o que depois se provou demorado, havia muito silêncio a consumir-se, logo se percebeu, porque ele ali ficou, estático, a mão em meu peito sentindo cada batida tremida do coração fraco, e se antes havia apenas o sol a quem venerar, a única coisa a sentir e para despir-se, com ele ali eram duas as coisas a quem se entregar, o que não demorei em fazer, inspirei fundo e ali fiquei, o quanto ele quisesse, fechei os olhos, fechei e nada mais pensei, na certeza de que ele estaria sempre ali e a hora que eu quisesse abri-los não teria com o que me preocupar, ele ainda estaria ali, com a mão em meu peito, com a mão em mim, me segurando como fora todos aqueles anos, como todas as imagens e sons em minha cabeça diziam e dançavam, sim, sua mão estaria sempre ali.
Quando abri os olhos ele já estava distante, de pé, parado, podia vê-lo claramente agora, seus olhos pairavam sobre mim, calmos, era hora de partir, ele continuou ali, querendo prolongar aqueles curtos segundos, tornar eterno o que poderia esvair-se com a facilidade de uma nuvem que passava sobre nós, querendo adiar o que era preciso ser dito, que ele não queria dizer, mas que sabia que precisava, então logo disse: me disse adeus, eu te amo, virou as costas e partiu, ele tinha que partir, eu sabia. E então houve silêncio.
Hoje floresce numa ameixeira em pequenos frutos amarelos adocicados.
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